domingo, 29 de março de 2015

A competência e o último show dos Beatles




Sempre gostei das músicas deles, mas nunca fui obsessiva por eles a ponto de saber todas as datas e detalhes.

Já tinha lido outras informações sobre o último show, mas confesso que a última que li achei bem interessante e por isso resolvi compartilhar no blog.

O texto abaixo foi escrito por James Altucher.

No dia 30 de janeiro de 1969, os Beatles se odiavam, e estavam cansados de trabalhar no álbum Let It Be dentro de um estúdio apertado. Num impulso, decidiram levar todo equipamento para o telhado do  prédio, no meio do inverno. Ali tocaram durante meia hora. Foi o último "show". A última apresentação em grupo havia sido mais de dois anos antes. A banda terminou pouco depois e nunca mais tocaram juntos.

Digo que foi um show porque as pessoas que estavam por perto logo identificaram a música.

Não podia acreditar. Os trabalhadores nos escritórios saíam à janela e desciam escadas para ver melhor. As mulheres corriam pelas ruas tentando encontrar um lugar melhor. Um senhor subiu pela escada de incêndio com seu cachimbo para assistir do telhado do prédio. Em dez minutos, as ruas estavam lotadas e todos olhavam para cima, de onde vinha a música. Não conseguiam ver, porém sabiam exatamente quem estava ali. O "show" dos Beatles paralisou Londres por meia hora.

Quase na metade, a realidade bateu nos espectadores. Um deles disse: "Que absurdo atrapalhar todos os negócios ao redor. "Nunca saberemos o nome desse cara. Nunca saberemos no que ele estava trabalhando em janeiro de 1969 que era tão importante. Ou quais negócios havia ao redor naquele inverno. Mas mais de quarenta anos depois, ainda assistimos ao vídeo desse acontecimento. Ainda ouvimos as músicas.

Algumas coisas interessantes sobre esse vídeo:

Os músicos se odiavam. Eles já tinham praticamente desfeito a banda. O álbum ia se chamar Get Back (Voltar). Mas eles não conseguiram voltar, e então o título virou Let It Be (Deixe Estar). Esse foi o último álbum da banda. Podem tentar culpar qualquer coisa: Yoko Ono, Linda McCartney, conflitos criativos. Phil Spector, a morte de Brian Epstein etc. Qualquer que seja a verdadeira razão, eles se odiavam mesmo tendo esse enorme sucesso juntos.

Está estampado na cara deles que é a última apresentação deles juntos. Ringo está triste. George Halisson mais ainda. Uma semana antes, Harrison brigara na rua com John Lennon e saíra gritando: "Tô fora! Te vejo por aí."A banda cogitou substituí-lo por Eric Clapton, mas Harrison voltou. Paul McCartney declarou que, sem os quatro membros, os Beatles não seriam os Beatles.

George Harrison não gostava nem um pouco de ver John Lennon se distanciando mais e mais da banda para trabalhar sozinho. Lennon odiava as composições de Harrison e McCartney. (Lennon falou, após o lançamento do álbum, sobre "The long and winding road" e a dinâmica com o produtor Phil Spector: "Ele recebeu uma montanha de merda mal gravada mesmo assim conseguiu transformar em alguma coisa." Em outras palavras, eles se odiavam. E não escondiam isso. Não queriam trabalhar mais juntos mesmo com tantos anos de sucesso criativo e financeiro. George Harrison entrou na banda aos 14 anos. Eles cresceram juntos.

A segunda música que cantam juntos no vídeo, "Don't let me down" (Não me desaponte), é mordaz. Foi escrita originalmente por John Lennon para Yoko. Mesmo sendo tão bem-sucedido, Lennon morria de medo de se decepcionar com Yoko. Apesar de tentarmos fugir dos medos de infância, o sucesso só os aumenta. Somos como pássaros tentando subir em uma árvore para conquistar a liberdade do céu azul. Assim que aprendermos a voar, conseguiremos ser livres de verdade. Para Lennon, ter sofrido desilusões quando criança se manifestou em um apelo não só para a mulher, como também para milhões de ouvintes.

Dá impressão de que ele não está cantando só para ela. Canta também para os Beatles, que o desapontaram também. Canta aos quatro ventos, para todos ouvirem. Canta para Londres. Ele pede pelo futuro, para que possa ser independente do ponto de vista criativo - "Don't let me down". E, como em uma profecia, o mundo o desapontou da pior maneira em 8 de dezembro de 1980. A música nunca chegou à versão final do álbum. Gosto da versão original em que Lennon e McCartney cantam juntos, com Ringo ao fundo. Os três mal se falavam naquela época. Um tinha decepcionado o outro e vice-versa e, mesmo assim, eles não deixaram de criar belas músicas.

A competência dos Beatles. Apesar dos problemas, apesar do desprezo que cada um sentia pelo talento musical dos outros, apesar dos problemas financeiros e jurídicos que se empilhavam com o fim da banda, eles subiram ao palco e CANTARAM.
Assisti a esse vídeo centenas de vezes. Paul abre a boca e a música começa e não para por vinte minutos. É lindo. Pessoas competentes seguem em frente e fazem o que tem que fazer. Espero que em minha vida consiga ser tão bom em alguma coisa como os quatro foram no que faziam, mas duvido muito que isso aconteça.

E finalmente, a mente de principiante.

No fim do vídeo, quando a polícia chega e os manda parar por causa do barulho, eles encerram tocando "Get back"de novo. No meio da música, Paul McCartney canta: "Você está cantando no telhado novamente, sabe que sua mãe não gosta nada disso, ela vai mandar prender você!" Quando eles deixam os instrumentos de lado, John Lennon fala, sarcástico (foi a última coisa que os Beatles falaram para o público): "Em nome da banda e de nós mesmos, espero que tenhamos passado no teste".

Um criador não descansa. Não importa o que você faz, nem o que você cria. Cada momento é um teste. Cada vez que você cria algo é sua chance de subir no telhado e fazer algo novo, de alguma maneira que você não tenha feito antes, que provavelmente provocará rupturas e vulnerabilidades, mas que ao mesmo tempo será divertido e único. As pessoas vão odiar você, vão amar você, e subirão no telhado para ver você antes que a polícia o prenda. Os Beatles passaram naquele teste. Agora é a nossa vez.




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